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Betinho, a Internet e a Ação da Cidadania: os percalços de hoje

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por Carlos A. Afonso - 9 ago 2017

Este texto foi gravado em vídeo pelo autor: https://nc.nupef.org.br/index.php/s/9HAv1QaXsFFUIyL

Apesar de já saber de suas ideias e ideais, e de trabalharmos em departamentos distintos na mesma agência de planejamento do governo Allende, conheci Betinho pessoalmente no Panamá, em novembro de 1973, quando finalmente conseguimos escapar da ferocidade pinochetista através da embaixada desse país em Santiago do Chile. E terminamos chegando juntos ao Canadá, em fevereiro de 1974, com a ajuda da igreja canadense e dos movimentos de direitos humanos.

Trabalhamos juntos desde então, até a morte de Betinho em agosto de 1997. Foi uma grande aventura, cercada de algumas divergências, muitas convergências e dificuldades de sobrevivência – ninguém passa uma grande parte de sua vida como dirigente de entidade civil impunemente... Foram 23 anos de trabalho conjunto procurando criar e manter iniciativas civis, desde o Brazilian Studies em Toronto até o Ibase no Rio de Janeiro, que sob a liderança de Betinho veio a ser berço de iniciativas como o Movimento pela Ética na Política e a Ação da Cidadania (a “Campanha contra a Fome”).

Betinho não entendia os detalhes técnicos da intervenção que tentávamos fazer nas práticas e políticas de comunicação no Brasil, apoiados no Ibase. Mas intuia tudo, a relevância e o pioneirismo das propostas, e apoiava incondicionalmente – o que levou o Ibase a construir o primeiro provedor de Internet voltado à sociedade civil no país, e ser também pioneiro, na sociedade civil organizada, em outro aspecto crucial: a defesa ativa do que hoje se conhece como “governança da Internet”. Betinho foi fundamental no apoio à noção que a nova rede era algo que funcionava sobre as infraestruturas de telecomunicação mas não se confundia com elas, requerendo regras e legislação distintas decididas de forma participativa, multissetorial.

Amigo do então ministro Israel Vargas, em 10 de abril de 1995 Betinho escreveu uma carta ao ministro das comunicações, Sérgio Motta (carta em anexo em PDF, abaixo), em que ele enfaticamente chamava a atenção do ministro para um artigo de Vargas e enfatizava: trata-se de “uma proposta concreta para efetiva democratização do acesso e uso das redes no Brasil”. Já tomava forma a criação de um ente específico para a gestão da nascente Internet no país. Era algo que dentro e fora do governo vários setores defendiam.

A carta de Betinho levou a uma conhecida reunião no restaurante Alcaparra, onde o ministro, Tadao Takahashi, Betinho e eu dialogamos sobre as bases dessa abordagem – uma “operação” de convencimento definitivo do ministro. Um mês depois, nasciam o Comitê Gestor da Internet no Brasil e a regulação que separava a Internet da legislação de telecomunicações (a portaria 143 contendo a conhecida Norma 4 e a portaria 147 criando o Comitê Gestor).

Em outra frente, a Ação da Cidadania celebrará em 2018 um quarto de século com uma atuação que é reconhecida como referência mundial no combate à fome e à miséria. Durante os últimos 17 anos a Ação tem ocupado o Galpão Docas Pedro II, popularmente conhecido como Galpão da Cidadania, na região portuária do Rio de Janeiro. É um prédio federal, cedido à Ação em 2000 com o apoio incondicional de Ruth Cardoso. Desde então a Ação investiu com vários apoiadores milhões de reais na recuperação e preservação desse patrimônio histórico, no qual vem desenvolvendo dezenas de iniciativas com a comunidade. Agora, por pressões locais e do governo federal, é ameaçada de despejo.
O Brasil e especialmente o Rio de Janeiro celebram durante este mês de agosto os 20 anos do falecimento de Betinho. Coincidentemente, no mesmo mês um governo sem legitimidade oficializa unilateralmente um processo de reformulação do Comitê Gestor da Internet, que ao longo destes 22 anos tornou-se uma referência mundial em governança pluriparticipativa, multissetorial da rede de redes. E coincidentemente, prefeitura do Rio e governo federal tentam liquidar com o trabalho da Ação da Cidadania.

Tristes coincidências.

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